O vegetarianismo e a ética animal e ambiental

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Para o ativista e ambientalista da União Protetora do Ambiente Natural – UPAN, Márcio Linck, a forma mais coerente de proteger os animais começa por cortar a carne do prato. Segundo ele, defender os direitos dos animais significa “assumir uma condição de responsabilidades e cooperação com essa tênue cadeia harmônica em que a vida poder ser manifestada”

Vegetariano há mais de 20 anos, Linck argumenta que não consumir produtos de origem animal significa preocupar-se com a “sustentabilidade o futuro do planeta”. Para ele, “a ética ambiental deve romper com o antropocentrismo e encarar os desafios para além do ambientalismo. (…) Se ética não atingir a dignidade e o respeito a todas as formas de vida, então ela é torpe e sem valor. Na atual conjuntura, não há como o discurso ambiental ser moralmente respeitado e aplicável e eticamente aceitável, se não incorporar a defesa do vegetarianismo e do veganismo”.

Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, ele reflete acerca dos problemas ambientais e sociais gerados pela produção de carne bovina e informa que “são gastos em média 15 mil litros de água para produzir um quilo de carne, enquanto para o mesmo quilo de vegetais se utiliza em media, mil e quinhentos litros”.

De acordo com Linck, o vegetarianismo é um estilo de vida que “rompe com o antropocentrismo e o com especismo, que é o preconceito em relação a uma outra espécie, apenas por ela ser diferente em relação à forma e à [crase]aparência e assim um menosprezo para com suas suas vontades e direitos básicos”.

Linck é graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. É membro do GAE-POA, Grupo pela Abolição do Especismo e autor do livro Para Além do Ambientalismo – Uma História em Duas Décadas (2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que não deveríamos comer produtos de origem animal?

Márcio Linck – Em primeiro lugar, por razões éticas e de respeito à vida. O que não quero que façam para mim ou para meus semelhantes afins eu não faço para os outros, no caso os animais. As granjas e modernas fazendas de produção intensiva constituem-se em verdadeiros campos de concentração, onde o holocausto é permanente e silencioso. Silencioso porque estão longe dos nossos ouvidos, porém lá estão as galinhas vivendo em espaços minúsculos, sem poder movimentar-se e sem ver a luz do dia, tal como as porcas de parir, aprisionadas e transformadas em máquinas de gerar carne, apartadas de sua prole e sem poder cuidar e dar afeto e proteção aos filhos, tal como é o desejo, de modo semelhante, das mães humanas.

E aí toda uma vida estressante que se inicia com a inseminação artificial, passando pelo corte do bico, dos dentes, do rabo e das genitálias sem anestesia alguma. Uma vida toda de sofrimento e que ainda continua com o transporte em caminhões apertados e culmina com toda a crueldade dos matadouros. Ah! se os matadouros tivessem paredes de vidro, como sugeriu Paul MCartney, “todos seriam vegetarianos!”. Diria que, se todas as pessoas tivessem que matar um animal para obter um pedaço de carne, também teríamos uma maioria vegetariana.

Há também o argumento pela sustentabilidade e futuro do planeta, conforme a situação ambiental. E por fim, pelos fatores ligados à saúde, pois segundo dados da American Dietetic Association – ADA e nutricionistas do Canadá de 2003, que reúne os principais estudos científicos sérios sobre vegetarianismo, os vegetarianos têm 30% menos risco de desenvolver doenças cardíacas, 50% a menos do diabetes, etc.

IHU On-Line – Como define a postura ética e filosófica do vegetarianismo e do veganismo, principalmente no que se refere à proteção dos animais?

Márcio Linck – Penso que essas duas posturas são fundamentais e até sequenciais do ponto de vista prático. Mas é preciso ir além e, embora o veganismo tenha um alcance maior em relação à não exploração dos animais, devemos aprofundar a nossa conduta de responsabilidades frente ao planeta. Tanto o vegetarianismo como o veganismo (este último de modo mais amplo) tem despertado e ampliado o debate a cerca da proteção e dos direitos dos animais no mundo.

Sobretudo, trata-se de um estilo de vida que rompe com o antropocentrismo e o com especismo, que é o preconceito em relação a uma outra espécie, apenas por ela ser diferente em relação à forma e à aparência e assim um menosprezo as suas vontades e direitos básicos. Assim, os humanos estabelecem uma relação utilitarista para com os animais, explorando-os de todas as formas e transformando-os em objetos de consumo. O discurso e a prática especistas são muito semelhantes em relação ao sexismo (preconceito em relação a diferença de sexo) e ao racismo (preconceito em relação à raça).

Os animais são seres senscientes, dispõe de consciência e sensibilidade sobre sua presença no mundo, tem interesses e direitos inerentes a sua vida como o de procriar-se naturalmente, de relacionar-se afetivamente e socialmente com os companheiros de espécie e daí cumprindo outras funções biológicas, como o de poder escolher o alimento que lhe é próprio ou natural da sua espécie, ter liberdade de movimentos e poder ser feliz! Por que somente o ser humano pretende ser a única espécie a buscar a felicidade? Assim como a espécie humana os animais sentem tristeza, nostalgia, desapontamento, amor, sofrimento, afeto, amizade, medo, esperança, felicidade, raiva, compaixão, sonhos, pesadelos, ciúmes, solidão, solidariedade, curiosidade, etc.

Todos que possuem animais de estimação sabem do que estou falando e a Etologia (ramo da Biologia que estuda o comportamento animal), enquanto ciência, referenda não somente a manifestação desses sentimentos, como também padrões de inteligência, poder de comunicação e até de linguagem em algumas espécies. Como desdobramento desse despertar que o vegetarianismo e o veganismo têm proporcionado, muitas pessoas acabam fazendo a conexão necessária para não mais contribuir através de seus hábitos cotidianos com o sofrimento e a crueldade dos animais utilizados para alimentação, vestuário, pesquisas, entretenimento etc. Há toda uma corresponsabilidade individual e uma justificativa por trás de toda essa cadeia produtiva dos horrores, que mantém os animais num martírio e inferno permanente. Tudo, porque no final do processo está o consumidor das carnes diversas, dos embutidos, do presunto, do bacon, dos laticínios etc.

Outra questão extremamente importante nessa conexão refere-se às incoerências pessoais, quando as pessoas dizem respeitar e amar os animais, no caso aqueles culturalmente e convencionalmente estabelecidos, como os de estimação, enquanto aprisionam, degolam, esfolam, queimam, cortam, espetam e devoram outros. A cultura de um determinado lugar é que impõe essa divisão entre aqueles que devemos amar e proteger e aqueles que devemos explorar, torturar e consumir. O cachorro amado aqui no Ocidente pode ser saboreado em algumas regiões da China, Coreia ou Indonésia, sem dó e piedade alguma. Então, não há diferença entre cachorros, porcos, galinhas, vacas e gatos em relação aos sentimentos e a troca de emoções não somente entre os seus como também para com outras espécies, incluindo a humana.

Postura ética

Quanto aos conceitos que exprimem uma postura vegetariana ou vegana, embora fundamentais, devemos ter o cuidado não só com a rotulagem dos mesmos e o comodismo em achar que tudo está perfeito. Defender os animais também passa por assumir uma condição de responsabilidades e cooperação com essa tênue cadeia harmônica em que a vida poder ser manifestada. As nossas escolhas enquanto consumidor pode afetar os habitats de muitas espécies, como é o caso dos milhares de animais marinhos que são mortos por engolirem os milhões de plásticos e outras embalagens despejadas nos oceanos; ou todo o impacto ambiental gerado por uma conduta consumista, citando o exemplo das latas, cujo alumínio extraído da bauxita pode vir de uma área de floresta composta de uma variada fauna.

O desperdício ou esbanjamento em relação ao consumo de energia (de fonte hidroelétrica) de uma casa pode justificar as grandes barragens e a inundação de grandes áreas de florestas exterminando a fauna ali existente; os resíduos excretórios que expelimos via descarga e que vão parar na rede de esgoto e consequentemente jogados in natura nos rios e lagos, tirando oxigênio dos peixes e demais habitantes aquáticos, constitui-se num desrespeito ao direito à vida destes animais.

Nesse caso, estarei faltando com a ética para com estes animais que não têm nada que ver com as consequências daquilo que consumimos e descartamos. Nesse caso a nossa responsabilidade ética seria a de cobrar do Estado o tratamento desse esgoto antes dele atingir os recursos hídricos e causar todo um malefício aos peixes, anfíbios, répteis e aves aquáticas. Teríamos muitos outros exemplos em relação ao nosso padrão de consumo que afeta diretamente o ambiente natural de muitas espécies. O prejuízo ambiental que afeta a qualidade de vida atinge a todos, animais humanos e não humanos. Por isso, não basta vestir o manto dos rótulos para achar que já atingimos a perfeição ou a salvação. É preciso refletir, aprofundar e avançar! Nesse sentido, uma postura ecoveganista contemplaria nossa responsabilidade em relação a todos os animais e seus habitats.

IHU On-Line – Que impactos ambientais são produzidos pelo consumo de carne?

Márcio Linck – De acordo com a Conservation International, das 35 áreas onde a biodiversidade é mais ameaçada no mundo, 23 têm, como principal causa, a pecuária. 2/3 dos desmatamentos das florestas tropicais do planeta se devem à expansão da pecuária. No Brasil, a floresta Amazônica é um exemplo disso, pois as áreas de pasto triplicaram nos últimos 30 anos e a área desmatada acumulada atingiu, em 2007, 720 mil km2 (18% de sua área total). Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, 78% do desmatamento da Amazônia Brasileira se deve à pecuária. Antes do pasto ou da soja e milho que serão transformados em ração para o gado, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, e antes do próprio gado, estão as queimadas, cuja contribuição para as emissões brasileiras de gases estufa são da ordem de 75%.

Hoje a Amazônia responde por 41% dos abates bovinos no Brasil. Somente em 2006 foram produzidos 2,7 milhões de carne, sendo que desse total apenas 3% é consumido na região, 10% é exportada (lembrando que a partir de 2004, o Brasil tornou-se o segundo maior produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo) e 78% é desperdiçada pelo resto do país. Um em cada três bifes consumidos no Brasil vem da Amazônia. Então, essa história de salvar a Amazônia começa pelo prato de cada brasileiro. O resto é balela e hipocrisia. O estado de Mato Grosso, nos últimos anos, converteu 38 mil km2 de floresta em grãos para fazer ração para o gado.

Então, além das queimadas e do desmatamento, a pecuária acarreta a erosão do solo, assoreamento dos recursos hídricos e sua contaminação com pesticidas (mercúrio, fósforo, cloro, chumbo, arsênico e outros) e dejetos provenientes dos hormônios, vacinas, antibióticos, fungicidas, bactericidas e outros fármacos. Sem falar na desertificação, extinção de espécies, chuva ácida e gases estufa.

Impactos ambientais do consumo de carne

Em 2006, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO divulgou um relatório com mais de 400 páginas, intitulado A Grande Sombra dos Estoques Vivos, que aponta a pecuária como responsável por 18% dos gases estufas, superando os 13% gerados pela queima de combustíveis fósseis. No entanto, a grande mídia pouco fala disso e a maior parte dos documentários referentes às mudanças climáticas e ao aquecimento global insiste em apenas mostrar cenas de chaminés saindo das fábricas e da grande circulação de automóveis nos grandes centros urbanos. É mais cômodo culpar a fábrica e o automóvel do que o hábito de comer carne! Imaginem que se cada habitante do Reino Unido deixasse de comer carne apenas uma vez por semana, isso equivaleria a retirar cinco milhões de automóveis por um ano no mundo.

O estudo da FAO aponta que 37% do gás metano (que é 23 vezes mais poluente que o CO2) provém da pecuária, e aí entra todo o processo digestivo dos bovinos; 65% do óxido nitroso NO2 (gases provenientes do esterco) é gerado pela pecuária, sendo que esse gás é 296 vezes mais nocivo que o CO2 (uma vaca produz cerca de 40 kg de esterco por dia e uma fazenda contendo cinco mil bovinos produz a quantidade de excrementos que produziria uma cidade com cinquenta mil habitantes); e 64% da amônia, que contribui para a chuva ácida e acidificação dos ecossistemas, provém da pecuária. Infelizmente, em 2009, dois cientistas do Banco Mundial recalcularam esses dados para o WorldWatch Institute e chegaram a conclusão de que a pecuária e seus subprodutos respondem por 51 % dos gases causadores do efeito estufa.

A agropecuária é responsável por 70,2% do volume de água retirado dos mananciais ao redor do mundo. Em segundo lugar está o setor industrial (20,02%) e o consumo humano(9,5%). Gastam-se em média 15 mil litros de água para produzir um quilo de carne, enquanto para o mesmo quilo de vegetais se utiliza, em media, 1.500 litros. Nesses cálculos entram não só a água que o boi bebe (cerca de 50 a 70 litros por dia e a vaca leiteira de 110 a 140 litros por dia), mas também a água utilizada na produção de seu alimento e nas diferentes etapas que envolvem o abate do animal (sangria, escaldagem, depenagem, depilação, barbeação, evisceração, lavagem etc.).

O setor da suinocultura no Brasil consome mais de 23 milhões de litros de água por ano e gera efluentes da ordem de 12 milhões de litros por ano. Lembrando que o porco gera de seis a sete vezes mais estrume do que os humanos, ocasionado um poder poluente 50 vezes maios em termos de Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO.

IHU On-Line – Em que consiste uma ética ambiental?

Márcio Linck – A ética ambiental deve romper com o antropocentrismo e encarar os desafios para além do ambientalismo. Atuar em defender do meio ambiente é garantir a sustentabilidade e o futuro não só do homo sapiens, mas de todas as demais espécies que habitam o planeta. Se ética não atingir a dignidade e o respeito a todas as formas de vida, então ela é torpe e sem valor. Na atual conjuntura, não há como o discurso ambiental ser moralmente respeitado e aplicável e eticamente aceitável, se não incorporar a defesa do vegetarianismo e do veganismo. Por isso, uma simbiose dos mesmos.

IHU On-Line – É possível combater a fome a partir do vegetarianismo?

Márcio Linck – Com certeza! Poderíamos eliminar a fome no mundo (incluindo uma política de distribuição de alimentos) se destinássemos uma grande parte da produção agrícola servida aos animais, diretamente aos humanos. É uma insensatez e estupidez ocupar 30% da área produtiva do planeta com a pecuária e utilizar mais 33% de terra fértil com a produção de grãos para alimentar animais. A quantidade de comida consumida apenas pelo gado mundial (não incluindo suínos, caprinos e aves) atualmente equivale às necessidades calóricas de mais de 9 bilhões de pessoas.

O boi constitui-se numa fonte de proteínas de baixíssima eficiência energética, pois converte em carne apenas 7% do que come. Um hectare cultivado com cereais produz cinco vezes mais proteínas do que um hectare destinado a produção de carne, sendo que um quilo desta é necessário de 10 a 15 kg de cereais. Isso sem falar nos custos ambientais e na água utilizada. Grande parte da soja que hoje destrói a floresta Amazônica é exportada e transformada em ração para alimentar o gado europeu e norte-americano. Segundo o jornalista americano Paul Roberts, em seu livro intitulado O Fim da Comida, a Terra pode alimentar 2,5 bilhões de bocas com uma dieta ocidental, rica em carne, ou 20 bilhões de vegetarianos. Portanto até aí entra a ética, a ética da alimentação.

IHU On-Line – Quando o senhor aderiu ao vegetarianismo? Essa opção de vida está relacionada à proteção dos animais?

Márcio Linck – Sim. A forma mais coerente de proteger os animais começa por cortar a carne do prato. Já faz quase 24 anos que tornei-me vegetariano, sendo inicialmente o primeiro motivo o respeito à vida e o amor aos animais. Não poderia mais continuar sendo corresponsável com todo um sistema que implica em sofrimento, tortura e morte de seres dotados de sentimentos e sensibilidade. Hoje eu não precisaria mais ter sentimentos de bondade e compaixão para com os animais para ser vegetariano, pois bastaria a ética e toda a filosofia que coloca os animais no princípio da igualdade de direitos e consideração de seus interesses. O interesse do animal em não sofrer e querer continuar a viver é tão fundamental e importante para ele o tanto quanto esses interesses o são para mim. Podemos viver sem carne e optar por comê-la constitui-se numa preferência, num capricho.

Mas uma preferência não deve estar acima de um direito, quanto mais o direito à vida e a toda sua correspondência, seja em relação à liberdade de movimentos, de escolha dos seus alimentos e da relação afetiva com os seus. Não preciso e não necessito viver em função do sofrimento e da morte de seres indefesos e sensíveis. Mas, com certeza, o amor que tenho pelos animais se mistura com minhas razões éticas. Mas tanto o amor como a ética começam pela boca.

Com o tempo, além da ética, também incorporei outros argumentos em favor de uma alimentação sem carne, tal como a questão ambiental, econômica e as questões ligadas à saúde.

Fonte: IHU Online

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Plástico verde: solução ou problema?

Em entrevista à EcoAgência, ambientalista Luiz Jacques Saldanha revela a prática do greenwashing e alerta contra os perigos à saúde a partir do uso de substâncias artificiais

Ambientalista Luiz Jacques Saldanha

Por Ilza Girardi – especial para a EcoAgência

No dia 24 de setembro foi inaugurada, no Pólo Petroquímico de Triunfo, a primeira fábrica de “plástico verde” do mundo. O evento contou com a presença do Presidente da República, ganhou holofotes na mídia e um espaço na novela Passione, da Rede Globo. Para falar sobre o assunto convidamos o engenheiro agrônomo, advogado e ambientalista Luiz Jacques Saldanha. Ele tem sido um crítico da geração, manufatura e uso indiscriminado e onipresente de substâncias artificiais que vão dos agrotóxicos, produtos de limpeza e de cuidado pessoal aos fármacos e plásticos em nosso dia-a-dia, destacando, principalmente, seus efeitos sobre a saúde de todos os seres vivos do planeta. Confira a seguir a entrevista concedida à jornalista do NEJ-RS, Ilza Girardi.

Ilza – Jacques, o que é o “plástico verde”? Será que ele resolverá todos os problemas que os plásticos têm causado em termos de poluição do ar, da água e da terra?
Jacques – Bem, este é o mais novo engodo que o sistema nos presenteia. E é um engodo da pior espécie porque está, pela primeira vez, fazendo um dos maiores greenwashing dos últimos tempos em nosso meio, no que se refere a resinas plásticas!

I – O que o greenwashing tem a ver com esse plástico?
J – É uma expressão empregada pelos ecologistas no mundo inteiro para desmascarar estas jogadas de marketing que as grandes poluidoras mundiais têm procurado fazer com a boa vontade e a boa fé dos cidadãos planetários. Na verdade, essa é uma forma de se relacionar com um termo semelhante como o que se emprega no mundo do crime. A mídia criou a expressão “lavagem do dinheiro” quando denuncia o que os criminosos tentam fazer para “limpar” um dinheiro de sua origem ilícita. Aqui é a mesma coisa. A diferença é que o crime aqui se relaciona com a questão ambiental e a saúde pública. E nesse caso, toda essa construção deste plástico ser “verde” demonstra a mesma maracutaia.

I – Mas e por que eles não são “verdes”?
J – Nem todas as pessoas sabem que o petróleo em si é um produto natural. Muitas pessoas acham que o próprio petróleo já é um problema. Mas não. O petróleo é um bem natural e biodegradável por ser metabolizável pelos seres vivos. Apesar de ter em sua composição de petróleo bruto a presença dos cancerígenos PAHs – aromáticos policíclicos. Assim é fundamental nos darmos conta de que é esse permanente jogo da desinformação que faz com que o sistema se mantenha vivo. E tem sido esse jogo que tem levado a muitos de nós, cidadãos comuns, nos sentirmos tão desamparados e impotentes que ficamos zonzos e faz com que nas situações da vida passamos a ser contra tudo ou aceitarmos tudo. Fazemos isso por absoluta falta de chão! Assim, quando afirmamos que eles não são verdes é porque o produto que eles vão produzir é exatamente igual ao outro! Sem tirar nem por! Tão poluidor e problemático como quaisquer dos outros plásticos que não são “verdes”.

I – Como assim?
J – Como disse antes, o petróleo é natural e por si só é biodegradável. O problema do petróleo não está nele mesmo, está em como a indústria petroquímica tem utilizado aquilo que lhe dá condições de fornecer a essência que mais lhe interessa: o carbono. O petróleo assim como outras fontes de carbono é o grande foco da indústria petroquímica. Ou seja, ela toma o carbono dessas fontes e daí para frente é que começa o seu grande drama. Esse elemento é utilizado para gerar substâncias que nunca existiram na vida da Terra. Essa artificialização do carbono nestas moléculas sintetizadas em laboratório é que vêm causando todo o drama dos últimos sessenta anos no planeta. E vão além das resinas plásticas aos venenos agrícolas, aos detergentes sintéticos, aos fármacos e a muitos outros. E todas essas moléculas são sintetizadas nos pólos petroquímicos. Pode-se ver essa pretensão na reportagem do Estadão de 25 de setembro último. Ali o executivo da corporação afirma que querem implantar essas fábricas por vários continentes (ver link: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36663).

I – Mas há pouco tempo, ocorreu o derramamento de petróleo no Golfo do México gerando poluição e problemas ambientais, impensáveis e incalculáveis, e que vão perdurar por muito tempo.
J – Sim, tu tens razão. Esse caso é dramático. Lembro das palavras do Lutzenberger que dizia que “poluição é a coisa certa no lugar errado”. E o petróleo do Golfo do México foi bem esse caso.

I – Mas voltando ao caso da Braskem e ao plástico “verde” …
J – Por isso é importantíssimo termos condições de entender um pouco mais tudo o que envolve o petróleo e a petroquímica. A começar por esta confusão geral em que mídia se mostra ignorante ou tendenciosa, demonstrando uma manipulação dos fatos quanto a esse “verde”. Ah! Inclusive foram tão fundo nesse processo que até alguns prédios foram pintados de verde como se vê em algumas fotos! Ficamos nos perguntando se esse pessoal não está sendo debochado ao fazer tudo isso para criar nesta fábrica a “imagem concreta” de quão “verdes” eles são.

I – E por que eles podem fazer isso com esse respaldo político, social e técnico?
J – Essa pergunta eu também me faço e vejo como nós, da sociedade civil, estamos abandonados e vulneráveis a todo esse esquema que se forma em torno daqueles que têm o poder econômico. Temos que perceber que a Braskem está fazendo muita força para se tornar uma das grandes transnacionais da petroquímica do mundo emergente. E como nossa sociedade ainda é muito vassala do poder econômico, há uma posição de subserviência muito forte nelas quando ninguém se questiona de nada. E digo isso porque se olhares as notícias sobre este evento, verás que tudo está dito sem nada ter sido escamoteado.

I – De que maneira?
J – O aspecto técnico, por exemplo. Os próprios técnicos da Braskem afirmam que essa resina vai ser exatamente igual às outras e que ela não será biodegradável. Ou seja, não trará nenhum benefício “verde” no seu uso. Terá seu comportamento, quando no ambiente, igual às outras resinas. E isso vem sendo dito e redito em vários momentos, desde a notícia do lançamento da pedra fundamental em 2009. Então sob o aspecto “ecológico”, essa tecnologia é um absurdo porque está buscando produzir um absurdo.

I – Tecnologia absurda?
J – Tu sabes que o Rio Grande do Sul não produz cana, a não ser meia dúzia de pés para as vacas para épocas de falta de pasto. O nosso estado não produz uma gota de etanol para ser escolhida aqui a feitura dessa fábrica. Mas então por que fazer por aqui? Na minha visão isso pode ser até maquiavélico. O Rio Grande ainda desfruta no país, de uma aura de um estado com preocupações ecológicas e que o seu povo seria muito exigente etc. Assim, fazer lá nos estados onde a Braskem tem seus pólos, São Paulo e Bahia, não traria tanta “credibilidade” para este plástico “verde” como aí, no berço do ecologismo no Brasil. Podes perceber que terão que ser trazidos mais ou menos 400 milhões de litros de álcool, conforme informam os técnicos, para produzir essas 200 mil toneladas de plástico “verde”. Imagina o custo energético e ambiental de se trazer essa matéria prima do Paraná, São Paulo e Minas! Isso é ecológico? Assim, fazer isso e aqui no estado demonstra o seu absurdo até porque o plástico será igual ao outro!

I – Mas onde está então o “verde” dessa tecnologia?
J – Estaria justamente nesta fonte de carbono, a cana de açúcar! E é nisso que, no discurso tecnocrático, tornaria esse plástico “verde”. E dizem, inclusive com grande alarde, de que para cada tonelada de plástico produzido nesta fábrica, ocorreria o seqüestro de, mais ou menos, umas 2,5 toneladas de carbono. Assim para nós, os cidadãos comuns e desinformados, parece que será no processo de fabricação, nesta passagem do carbono do álcool para o carbono do plástico que ocorreria o grande seqüestro desse gás de efeito estufa. Mas não! A enganação é essa. Estão falando do processo de fotossíntese da cana em que para produzir o amido, a planta utiliza o gás carbônico e que não tem nada a ver com a fabricação da resina plástica. E se fores contar o desperdício de energia para o transporte desses milhões de litros, cairiam por terra quaisquer insinuações de que esse processo tecnológico teria algo de ecológico.

I – Certo. Parece que está claro que esse processo não tem nada de ecológico e nem esse plástico seria, no mínimo, um pouquinho “erverdeado”. Mas um aspecto que sempre tens levantado inclusive está fortemente presente em teu site (www.nossofuturoroubado.com.br), é a presença dos aditivos ou plastificantes. Como será que ficariam neste processo?
J – Exatamente igual. É importante termos idéia de como a empresa quer apresentar seu produto. Como essa resina é idêntica à outra, a indústria está pretendendo inclusive colocar um selo nas embalagens para identificá-la para o consumidor final. E pasma. Eles estão inclinados a colocar coisas como essa – olha só a ironia e o deboche: “I’m green”. Assim o consumidor final pensaria que estaria consumindo algo realmente que fosse dentro dos princípios ambientais e ecológicos por ter essa expressão. Não é um absurdo!? Conseqüentemente, como ninguém fala no Brasil sobre os esses “adereços” dos aditivos – como o nonilfenol (proibido na Comunidade Européia), o ftalato, o bisfenol A (banido das mamadeiras no Canadá e em vários estados e cidades norte-americanas) dentre tantos outros – estariam completamente adequados para serem utilizados em quaisquer das resinas plásticas para que pudessem ter competitividade de mercado.

I – Levantaste um aspecto muito pouco falado e assumido no nosso país. A questão desses aditivos como o bisfenol A que nem se fala quanto mais haver qualquer discussão sobre sua nocividade. O que me dizes disso?
J – É assim como levantas. O bisfenol A hoje é o grande ícone da luta da cidadania informada e consciente na busca de eliminar esses aditivos que estão completamente escondidos no âmago dessas resinas plásticas. Isso porque nem se menciona e nem se cita na composição dos produtos. O bisfenol A, também conhecido no mundo pela sigla BPA, é o DDT do século XXI. Vale lembrar que o DDT foi identificado, nos anos sessenta, como o grande vilão dos venenos que transitavam da agricultura para nossa casa como inseticida, e que acabou permitindo que se desvelasse e se descortinasse todo o horror das moléculas sintéticas que vêm envenenando, ainda hoje, o nosso alimento de cada dia. Pois bem, o BPA também está abrindo essa porteira e parece que será através dele que se verá todo o horror que temos em nossos produtos do dia-a-dia e que estão inviabilizando a sobrevivência de todos os machos no planeta, incluindo os seres humanos.

I – Mas como disseste antes, porque tu achas que a nocividade dessas substâncias não está sendo reconhecida pelos órgãos encarregados de zelar pela saúde das pessoas no Brasil?
J – Acho que muitos são os fatores, mas alguns deles chamam a atenção. Começa com a ineficácia e a inoperância dos técnicos da Anvisa. Se existe toda essa pesquisa independente e que demonstra que esses aditivos estão comprometendo a saúde dos fetos e das crianças, por que não colocam sob suspeita todos eles como estão fazendo os países do primeiro mundo? Será que vamos continuar vivendo como temos vivido com os agrotóxicos que são banidos e proibidos em vários países do mundo e aqui continuam a ser usados livremente? Assim, só posso concluir que a visão de mundo desses técnicos tanto da saúde como do meio ambiente no Brasil, estão totalmente alinhados e comprometidos com a mesma visão dos técnicos e das direções das indústrias. Temos casos bem contundentes no Brasil com os trabalhos que a Fundação Osvaldo Cruz do Ministério da Saúde têm feito tanto sobre alguns desses aditivos como com os agrotóxicos. E aí vem a pergunta: por que os técnicos do governo federal que tratam desses temas, não “lêem”, não “ouvem”, não “conhecem” esses trabalhos dessas instituições públicas? Por que será que continuam a considerar as pesquisas, as respostas, os estudos financiados e apoiados pelas indústrias como os únicos que “poderiam” desfrutar de credibilidade? Acho que com essas minhas considerações e perguntas, a resposta está dada, não te parece?

I – Tu tens mostrado um documentário da tevê canadense de 2008 em que se mostra que esses mesmos aditivos e plastificantes que estão nas resinas plásticas das embalagens, também estão presentes nos produtos de beleza, como maquiagens, bloqueadores solares, batons e outros?
J – Sim. Existem vários sites europeus e norte-americanos que mostram a loucura que tem sido o emprego dessas moléculas em produtos como esses que mencionaste. Tenho no site que criei (www.nossofuturoroubado.com.br) uma série de artigos traduzidos daqueles sites e ONGs em que se vê as respostas científicas que mostram que essas moléculas deveriam ser eliminadas imediatamente. Não consigo entender como o dinheiro está tão acima da saúde de todas as crianças e nenês que ainda nem nasceram. Parece que só nós que estamos nesta busca, temos filhos, netos e descendentes. Parece que os “técnicos” que têm essa outra visão de mundo, sejam das indústrias ou dos organismos governamentais responsáveis pela regulamentação dessas substâncias, são os últimos seres vivos do planeta e que não têm nenhum compromisso com o futuro.

I – Eu quero que expliques mais um pouco, essas afirmativas que fizeste com relação a essas moléculas e a sobrevivência das “crianças e nenês que ainda nem nasceram” como disse antes.
J – Bem, o que vem se descobrindo, reafirmo e insisto, científica e completamente embasada, em pesquisas, testes, estudos e análises, nos últimos 20 anos, oriundos de universidades, de mestres e doutores formados nos mesmos moldes dos “técnicos” das indústrias, é a capacidade que essas moléculas, friso, artificiais têm de imitar o comportamento do hormônio feminino. E isso tem aberto uma nova percepção sobre a importância crucial de níveis, absolutamente adequados e compatíveis, de hormônios sexuais tanto do hormônio masculino testosterona como dos femininos estrogênios, na formação e na saúde dos nenês que estão sendo gestados no útero materno. Essas descobertas que agora não podem ser mais ignoradas nem negligenciadas por estarmos sem dúvida comprometendo a sobrevivência de todos os seres vivos, machos e fêmeas, neste planeta. E é só por isso que sou visceralmente contra quaisquer moléculas que sejam artificiais e por isso totalmente desconhecidas pela Vida. Estejam ou sejam elas resinas plásticas, fármacos, agrotóxicos, produtos domissanitários, cosméticos, tecidos, produtos de higiene e de limpeza, roupas, partes de utensílios como automóveis, computadores, aviões etc, etc, etc.

I – Então achas que o mundo moderno está sendo um grande erro?
J – Desta forma, sim. E essa minha percepção está fundada naquilo que acho que tem sido o nosso grande equívoco: substituir tudo o que é e era natural por tudo o que é definitivamente artificial. Mas, temos que nos dar conta que estamos num país onde dispomos de todas as moléculas naturais e que são elas que a química artificial tem tentado substituir pelas feitas em laboratórios. E dramaticamente, em vez de investirmos nossos recursos financeiros no sentido de aprimorar, adaptar e adequar essas moléculas que a Vida nos deu para sermos seus guardiões, optamos por ficar “aprimorando”, “adaptando” e “adequando” essas que estão levando à destruição da vida.

I – Por que falaste agora em investimento? Sabes como foram os investimentos dessa fábrica?
J – Sim. Isso está disponível para o conhecimento de todos. Conforme textualmente “o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas de Triunfo (SINDIPOLO), dos cerca de R$ 450 milhões para a construção da Planta Verde da Braskem, 70% são do BNDES que é dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Dos 30% restantes, 40% é da Petrobras.” (ver link: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36624). Acho que com esses dados mostram como se misturam os investimentos “privados” e a importância dada à saúde pública dos brasileiros. Eu espero que as pessoas, ao obterem essas informações, façam a opção sobre qual trilha elas querem seguir.

I – Novamente, agradeço em nome de outros ecojornalistas, tua contribuição por desvelares mais essa desinformação que está circulando em nosso meio.

Fonte: EcoAgência